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Lei Geral de Proteção de Dados e os profissionais da área da saúde

por Erika Dantas e Ana Beatriz Martins

 

 Neste ano de 2019 muito se falou sobre a Lei Geral de Proteção de Dados, que começará a vigorar no país em agosto de 2020 – portanto daqui a oito meses.

As notícias veiculadas em diversas fontes de informações chamam atenção dos empresários acerca da responsabilidade com a coleta e armazenamento de dados dos clientes. Na área da saúde essa nova lei deve chamar ainda mais atenção.

Isto porque a normativa versa sobre a proteção dos dados pessoais e sensíveis do indivíduo, desde nome, data de nascimento e endereço à questões como origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico.

Como se vê, a relação entre profissionais da área da saúde (especialmente os médicos)  e paciente costuma acessar, senão todos, grande parte dos dados citados na lei.

A preocupação se dá principalmente porque quando um profissional conhece uma doença em que o paciente é portador, pode inferir, por exemplo, acerca da sexualidade da pessoa, tendo acesso, indiscutivelmente, à esfera privada da sua vida. Esse acesso à privacidade, se não for bem controlado, pode causar danos ao paciente, como interferir nas suas relações familiares ou em sua vida profissional.

Um empregador, tendo acesso a dados de saúde de seus empregados, pode utilizar-se da informação para demitir funcionários que tenham hábitos pouco saudáveis acreditando que este não trará toda a dedicação que o cargo exige.

O impacto das informações relativas à saúde de um indivíduo pode ser estigmatizante e trazer prejuízos em questões sociais e de trabalho, razão pela qual a área da saúde apresenta repercussão especial na LGPD, diante da relevância que o tratamento dos dados sensíveis possui.

Cabe ressaltar que a lei também protege dados não sensíveis, uma vez que um simples cruzamento de informações pode acabar acessando uma informação privada do paciente. Pode-se dar o exemplo de acesso ao histórico de navegação na internet do indivíduo. A partir dos sites acessados é possível descobrir se a pessoa é portadora de alguma doença, qual ideologia política possui ou se está grávida.

Por essas questões, a lei determinou que a proteção do tratamento de dados deve ser ampla, alcançando todos os tipos de dados, desde que possibilitem a identificação da pessoa.

O termo “tratamento de dados” utilizado pela nova normativa quer dizer toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração.

A lei determina que o tratamento desses dados deve ser dado por meio de termo de consentimento por escrito ou por outro meio hábil de demonstrar a concordância do titular dos dados, seja pelo seu titular ou pelo seu representante legal, em caso de incapazes.

Ressalta-se que a normativa alcança o tratamento de dados por meio digital ou físico.

Verifica-se que a LGPD preocupou-se com a ponderação de interesses constitucionais, como o dever de informação e a proteção da privacidade, direitos tidos inclusive como conflitantes.

Espera-se que haja a elaboração de normas específicas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD para a área da saúde, uma vez que não faria sentido, por exemplo, solicitar consentimento do paciente para coleta de um dado necessário para um atendimento de emergência. O que fica claro na normativa é que, caso haja interesse da clínica/hospital em utilizar os dados do paciente para outro fim que não o seu atendimento, deverá requisitar o seu consentimento prévio.

Neste sentido, também em casos de atendimentos eletivos, há necessidade de coleta do consentimento para o tratamento de dados e o documento que dispuser acerca desse consentimento deve conter cláusula específica e destacada sobre a questão.

Isso porque quando o tratamento de dados pessoais for condição para o fornecimento de produto ou de serviço – que é o caso da saúde – a lei determina que o titular deve ser informado com destaque sobre esse fato.

Salienta-se que o consentimento dado pelo paciente pode ser revogado a qualquer momento.

A legislação determina ainda que o paciente deve ter acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que devem ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de sua finalidade, de sua forma, devendo informar quem é o controlador dos dados do titular e permitir o contato com essa pessoa, entre outras questões.

Os agentes de tratamento devem adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito dos dados.

Frisa-se que a lei destaca duas pessoas (que podem ser físicas ou jurídicas) responsáveis pelo tratamento de dados: o controlador e o operador. O controlador toma as decisões acerca do tratamento dos dados e o operador efetivamente as opera.

Nesse norte, as clínicas/hospitais deverão capacitar profissionais para realização específica dessas funções ou contratar empresas especializadas.

Esses agentes serão responsáveis pelo tratamento dos dados dos pacientes, podendo ser responsabilizados à reparação de danos caso causem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo.

Além da indenização cível, em caso de descumprimento da nova legislação, o estabelecimento estará sujeito à multa administrativa de até 2% do faturamento da clínica, tendo o limite de 50 milhões de reais.

Além do operador e do controlador, há necessidade de capacitar um encarregado, que será responsável por realizar a comunicação entre o controlador, os titulares dos dados e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Pode-se constatar que para se enquadrarem à nova lei, tanto os profissionais de saúde quanto as clínicas (ou seja, pessoa física ou jurídica que tenham acesso a dados de pacientes) deverão implementar uma política de compliance digital para o tratamento dos dados dos seu pacientes. Faz-se necessária uma inovação estrutural e comportamental para garantir o cumprimento da lei.

O benefício maior para médicos e pacientes diz respeito ao tráfego de informações. Isso facilitará em muito o tratamento multidisciplinar de um enfermo.

Além de implantar soluções seguras, como a utilização de softwares de monitoramento e redes criptografadas, é fundamental habilitar as pessoas que terão acesso a esses dados, de forma a alterar a política da clínica/hospital e criar um ambiente inviolável tanto para o profissional que tem a responsabilidade de guarda dos dados, quanto para o paciente, que tem o direito de preservação de sua intimidade.

Na prática, a LGPD amplia a responsabilidade do profissional, necessitando a elaboração de novas políticas internas e digitais.

Atualmente, podemos destacar que a segurança dos dados dos pacientes na área da saúde está melhor exteriorizada pelos profissionais que utilizam o prontuário médico eletrônico, em razão de ser o instrumento que concretiza o dever do profissional com o sigilo e a guarda dos dados sensíveis do paciente.

Assim, os médicos que já se utilizam de prontuário eletrônico ou que pretendem implantá-lo devem observar se esse sistema apresenta:

– assinatura a partir de um certificado digital ICP-Brasil ou CRM digital e;

– “Nível de garantia de segurança 2 (NGS2)”, estabelecidos no Manual de Certificação para Sistemas de Registro Eletrônico em Saúde (de fácil acesso no site do CFM). Esse NGS2 assegura a impossibilidade de alteração posterior de dados consignados no prontuário médico, apresenta controle de acesso, de autenticação, de comunicação, auditoria, entre outros.

Somente os sistemas em conformidade com o NGS2 e assinados com certificado digital ICP-Brasil ou CRM digital atendem plenamente a legislação brasileira.

A Lei Geral de Proteção de Dados tem muito a somar na área da saúde, garantindo tanto a proteção do paciente quanto a do profissional, desde que a sua implementação seja feita de forma detalhada e responsável, estabelecendo-se princípios e aprimorando-se sistemas de informação.